Para evoluir, é preciso arriscar. O casal Elen e Ícaro Rosa coloca em prática o que muitos sonham: mudar e crescer sem perder a essência
Por Flávia Madureira e José Eduardo Camargo
Mudar de casa e de cidade já são desafios na vida de qualquer pessoa. Na vida de empreendedores, no entanto, a coisa é muito maior. Deixar uma clientela bem estabelecida e se lançar em uma nova aventura dá muito mais do que frio na barriga.
Mas o casal Elen e Ícaro, do Jiló Restaurante, resolveu encarar a mudança em busca de novos horizontes, saindo da pacata Itacaré, no sul da Bahia, para a capital Salvador. Mas para entender esta história é preciso voltar ao Rio de Janeiro, onde eles se conheceram. Elen e Ícaro trabalhavam no mesmo estabelecimento, ele na cozinha, e ela no salão.
O sonho dos dois foi um desdobramento da paixão de Ícaro pela gastronomia. O cozinheiro conta que este sempre foi um elemento muito forte e presente em sua vida, desde bem jovem. Sua família sempre gostou de uma boa festa celebrada à fartura na mesa, geralmente preparada pela mãe ou avó.
Na infância foi quando essa alegria se desprendeu da mão das matriarcas e sua história com a cozinha começou. O primeiro contato com o preparo da comida aconteceu quando os pais saíam para trabalhar, e com a observação que fazia de sua mãe e algumas instruções dadas por ela, começou a “se virar” na cozinha.
Em sua adolescência, se sentindo perdido em relação a seu futuro acadêmico, foi resgatado pela descoberta da faculdade de gastronomia. Carioca, ingressou no curso na capital fluminense e logo foi buscar experiências de estágio em restaurantes pela cidade.
Germina a semente
Em sua profissão, além de aprimorar as habilidades e levar a paixão pela gastronomia a um novo nível, conheceu a esposa no restaurante. Três meses após o nascimento do primeiro filho, a família se mudou para Itacaré, seguindo o desejo pelo estilo de vida mais tranquilo de uma cidade pequena e para dar vida ao sonho de abrir o próprio negócio.
Assim nasce o Jiló. Batizado por Elen, no requisito de um nome curto, a escolha honra, inusitadamente, o passado: Ícaro se deu conta, após a decisão ser tomada, de que este havia sido o primeiro alimento preparado por ele quando ainda estava aprendendo a cozinhar para si na infância.
“A cozinha que eu faço aqui é uma expressão do que eu vivi e do que eu vivo. Ela traz o restaurante francês em que eu trabalhei, o asiático, tem inspiração da minha mãe e de comidas que eu como por aí. Então, na verdade, a cozinha que eu faço é uma junção de experiências da minha vida”, conta o chef.
Criativo, original e singular
O método de Ícaro para criar novos pratos traz componentes que surpreendem.
Para levar ao cliente a experiência de gastronomia mundial que o restaurante propõe, os processos nem sempre são tão simples, sobretudo desde a expansão para a capital.
“É um desafio colocar um prato no mundo. Então precisamos também olhar à nossa volta, para o cliente que frequenta o restaurante. Em Salvador, a realidade do Jiló é um bairro de classe média. Em Itacaré, o público era diferente, mais turístico. Então, além de entender o prato, é importante entender o seu público”, explica Ícaro.
Novos horizontes e novos sabores
A abertura da nova casa, um marco do sucesso do restaurante, veio alinhada a um movimento contrário ao que levou o casal a Itacaré originalmente. Apesar da paz em morar no interior, as limitações características das cidades pequenas impulsionaram essa busca pelas possibilidades que a capital poderia oferecer.
Além de um acesso mais fácil à cultura e saúde, Elen e Ícaro se preocuparam em proporcionar aos filhos uma educação de qualidade em colégios de Salvador, o que foi decisivo para a mudança.
A adaptação ao novo espaço, embora gratificante, foi marcada por desafios. Com o sentimento que motivava a buscar proximidade com ambas as casas para garantir que tudo corresse da melhor forma possível, a complexidade da operação aumentou.
A viagem constante entre as cidades, além da atenção a fornecedores para as duas unidades e o equilíbrio com a vida pessoal levaram a uma intensificação do desgaste da rotina. Por esta razão, após dois anos da operação dupla, o casal fez a difícil escolha de encerrar as atividades no ponto original.
Com respeito à história que construíram, Elen fala sobre este novo momento: “É como encerrar um ciclo. Construímos um negócio muito saudável e bem-sucedido, que se tornou referência. Fomos muito felizes aqui, mas estamos prontos para essa mudança.”
Responsável pelo salão e pelos processos administrativos e financeiros, ela explica que o plano é trazer um pouco da personalidade do Jiló em Itacaré para Salvador.
“Queremos uma vibe mais jovem, mais a nossa cara. Com música e um ambiente mais despojado”, afirma. Com o nome artístico Elen Luz, a também cantora e compositora quer, aos poucos, levar sua arte para o ambiente do Jiló. Os novos planos, no entanto, ainda estão sendo desenvolvidos para unir a criatividade do casal e a sabedoria em relação ao público da casa.
Colhendo os louros
Os movimentos que acontecem na busca por essa harmonia resultam em diversas recompensas. Para Ícaro, alcançar paladares que vêm da abrangência de outros contextos culturais é um desafio, mas traz muitas alegrias.
Essa dualidade é indissociável de todo o processo do restaurante. Em cada cliente satisfeito, sobretudo naqueles que retornam para repetir a experiência, e a cada indicação que se transforma em um aumento de público, o chef vê o trabalho da equipe do restaurante sendo reconhecido.
Reconhecimento este que alcançou um novo patamar com a vitória em duas categorias do Prêmio Gastronomia Preta 2023, de Empreendedor do Ano e Melhor Restaurante. O chef fala com orgulho da indicação e traz sua perspectiva sobre a luta racial no país.
“Ser preto no Brasil já é difícil. Ser um chef que foge das caixinhas em que as pessoas querem me colocar é ainda mais. Se você é preto, tem que fazer samba e comida baiana ou africana. Com a cozinha contemporânea, eu fujo totalmente desse estereótipo”.
Ícaro conta que espera que o reconhecimento para pessoas pretas no setor ultrapasse o nicho do recorte racial, e que este caminho é importante para chegar até lá. Ele reforça que a vitória trouxe um gosto especial e uma nova motivação para toda a equipe.
*Texto adaptado da edição 159 da revista B&R